terça-feira, 7 de abril de 2009

Ossos Quebrados

“O carinho é responsável por nove-décimos de qualquer felicidade sólida e durável existente em nossas vidas.” (C. S. Lewis)


“_ Eu fiz de tudo! Cuidei, protegi, amei, mimei, perdoei... E agora, só tenho por companhia essa imagem em branco.”

Pensa o jovem Sabino relembrando todos os momentos em que foi mais dela do que de si mesmo.

Quando choraram juntos, abraçados, por motivos infantis ou por simples saudosismo; quando bolava surpresas inimagináveis depois de uma briga, engolindo o orgulho com um pouco do vinho da cesta de namorados que custou todas as suas economias da mesada; o dia em que foi busca-la no colégio, com um vaso repleto de begônias durante todo o percurso do ônibus lotado e abafado, só pra ver aqueles olhinhos diminuírem de felicidade e timidez causando arrepios.

Mas hoje, especialmente hoje, vem à tona um momento em especial:

O dia em que ela, Tereza, quebrou o pé, pulando nua do beliche para se esconder no banheiro, pois mamãe abria a porta de casa, saindo mais cedo do trabalho.

Não só esse único momento desse único dia, mas todos os momentos dos 30 dias seguintes o atormentam nesse instante.

Um pé quebrado, tesão interrompido quase na hora derradeira da explosão orgástica, o susto, os 30 dias seguintes.

Ele não arredava o pé do apartamento de Tereza. Cuidava como um pai cuida do único filho.

Largou os estudos, deixou os amigos de lado, dormia tarde da noite imaginando atividades recreativas para diverti-la e afastar o tédio do dia seguinte.

Pegou emprestado sem permissão o videogame do irmão, o aparelho de DVD da casa, locava no mínimo dez filmes por semana, fazia o almoço, o café da tarde e às vezes a janta. Chegava cedo o bastante para arrumar todas as camas, passar aspirador, lavar a louça, levar o vira-latas pra cagar no quintal em frente a casa dos vizinhos.

Quando Tereza precisava de um banho de sol, Sabino a carregava no colo até a varanda, penteava seus cabelos e cuidava de fazer as compras daquelas drogas lícitas que as mulheres se viciam desde pequeninas (Shampoo/Condicionador, delineadores, lápis de olho, um espelho portátil, etc...).

Se algum dia ela lhe chamasse “papai” ele não estranharia, pois o fazia com maestria, exceto pelos momentos incestuosos.

O lado carnal e viril, não intimidava-se pelo gesso e montes de faixas amareladas que cobriam toda a extensão daquela deliciosa perna branca e outrora forte. Afinal, os aleijados ficam carentes de alguns movimentos, mas, sua libido e tesão continuam intactos, até mais constantes e poderosos do que antes.

Sabino nunca se sentiu tão exausto, mas tão feliz ao mesmo tempo. Pois adorava ser útil àquela criatura que mesmo sem uma palavra proferida, o acorrentava tão docemente. Aquela boca, aqueles olhos. Tereza era tão bela, que qualquer sereia perto dela parecia-se com uma sardinha.

E assim, como todas as coisas boas e proveitosas da vida, seguiram-se aqueles 30 dias, com a velocidade de 30 horas. Com amor, sexo, carinho, bebedeiras, reuniões com os amigos mais íntimos, irritações às vezes, mas a atmosfera extremamente carregada de amor e carinho encobria tudo o que era supérfluo e tornava qualquer briga, motivo de sexo caloroso e apaixonado mais tarde.

Hoje, quase um ano depois, Sabino se pega pensando. Afundando-se no sofá, com o controle remoto na mão passando todos os canais, desejando que fossem memórias de sua própria vida e que pudesse agora filtrar o que quer relembrar ou não.

Às vezes uma leitura, um copo de sorvete, videogame, tentando inutilmente movimentar a perna engessada e totalmente enfaixada. Uma penitência de 30 longos dias, com a certeza de que se arrastarão como bosta mole pelo esgoto.

Sabino hoje começa a compreender que a vida a dois é assim, inconstante e incerta.

Se outrora agiu como um pai, amante apaixonado, marido... Agora, olha para o gesso envolto em sua perna e ri. Ri de tão estúpido que se sente. Sem se arrepender de nada do que fez, Sabino sabe agora que relações amorosas são sempre desequilibradas. Pois sempre esperaremos no mínimo, receber o mesmo que demos às nossas Terezas espalhadas pelo mundo, e os Sabinos, no fim das contas nunca saberão como é ser tratado com o mesmo afeto e dedicação de uma Tereza.